quarta-feira, 20 de maio de 2015

"Quando o Sol brilha": opinião do Blogue "As Leituras da Fernanda"



«Há algo de especial em ler um livro que foi originalmente escrito na nossa língua mãe. É que não há comparação, mesmo que a tradução seja muito boa. E quando um livro está tão bem escrito como este que agora terminei, a sua leitura é mágica, toca-nos nas terminações nervosas, e quando chegamos à última página, sentimo-nos mais cheios, mais completos.
Não conheço o autor, e pelo que parece este é o seu primeiro romance. Espero que encontre mais histórias dentro de si, e que continue a escrever, dando-nos a possibilidade de o ler.
A história é simples. É a história de uma família, passada numa aldeia perdida nos confins de uma serra no tempo do outro senhor. Mas a forma como nos é contada… logo desde as primeiras palavras, sabemos que transpusemos uma porta e não podemos voltar atrás. Sabemos que temos de continuar a ler.

«Acho que vi cavalos no horizonte.»
Disse o meu pai com olhos de luz, naquele sábado tão longe dos sonhos.
Assim começa o livro.
E de imediato somos transportados para aquele lugar. À medida que as letras desfilam perante os nossos olhos, somos embalados pelo relato de uma vida, pela história de uma aldeia, pelo caminho que uma família que tem de percorrer para lidar com a perda e arranjar maneira de sobreviver. E a própria história é relato desse percurso, que nem sempre é fácil, pois um caminho cheio de pedras é sempre difícil de percorrer. Mas o autor consegue transformar a dor em esperança, por isso este é também um relato da redescoberta da esperança, do amor.

«Que a felicidade está no amor que distribuímos e que apenas recebemos amor para que o passamos redistribuir por aqueles que amamos. Porque o náufrago que chega à praia sabe que a sua vida nunca mais será igual. Que há agora um tempo diferente dentro do mundo, anos que se transformaram em instantes e futuros que se transformaram em hoje e agora. Que os sonhos já não são feitos de triunfos nem de dias ainda longínquos, mas sim da sensação de acreditar. Que as estrelas à noite já não são tão discretas como dantes, mas sim os olhos do Universo e da imensidão, pontos de luz que nos podem salvar, indicando-nos o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste. Que a vida já não é uma estrada sem fim, mas antes um pequeno caminho num simples vale, entre contrafortes de grandes montanhas. Que tem de existir amor, uma qualquer forma de amor, um pretexto de alma que nos impulsione a partilhar. Pois o náufrago que chega à praia sabe agora que a luz da manhã é melhor do que qualquer sonho que a noite possa ter oferecido. Que acordar, mesmo ferido, é melhor do que morrer sem cicatrizes. Que mesmo no deserto existem oásis que nos podem salvar. Mas que, para isso, é preciso que tenhamos aprendido a orientar-nos pelas estrelas.»

Este livro é um hino. A uma época, à inocência e ao amor.
Espreitem a sinopse, e deixem-se envolver pela história de Edmundo, um homem simples, que amava a sua família, e que gostava de ler. Leiam o livro e deixem-se encantar com as palavras de um autor que escreve com o peso da alma na ponta da caneta…

«Dizia-se na aldeia que a madrugada libertava músicos da floresta. Que era um bosque encantado. Uma daquelas tolices que muitos acreditam. Não obstante, a floresta era generosa. Quando as giestas acordavam, deixava passar o sol educadamente, e este entrava nas ruelas da aldeia como se fosse uma espécie de salvador. Ao vê-lo, as almas dos aldeões beliscavam os corpos e diziam-lhes: «Acorda, preguiçoso, que o dia está bonito e os campos anelam a tua presença.»
(…)
Em volta da aldeia, existiam hortas bem cuidadas e muitos pastos penteados pelo vento, bosques adormecidos como cães velhos e uma ribeira que não descansava, trabalhando dia e noite a levar água.»

Absolutamente maravilhoso!»

domingo, 26 de abril de 2015

"Quando o Sol brilha": opinião do Blogue "BranMorrighan"



 «Opinião: Eu e os livros temos esta relação em que muitas das vezes são eles que me escolhem a mim e não o contrário. Por vezes até tenho um título em mente que quero ler, mas basta-me passar os olhos por outro que rapidamente a escolha fica feita. Com Quando o Sol Brilha foi mais ou menos assim. Como não é de um género literário que eu leia com frequência, deixei que chegasse a altura em que me ia sentir compelida a lê-lo e aconteceu realmente numa altura propícia, quase propositada. Se num mês perdi duas pessoas que me eram queridas, nesta obra encontrei a partilha da dor que senti com o seu protagonista, deixando assim que as emoções circulassem pelos devidos percursos.
Rui Conceição Silva não é um estreante no nosso universo literário, mas é um estreante no que ao romance diz respeito. Esta sua primeira obra pela Marcador, procede uma anterior, género fantástico, publicada pela Editorial Presença. Na altura, com "Escrito dos Ancestrais" (Campos de Odelberon), sob o pseudónimo Rodrigo McSilva, constatei logo que estávamos perante um escritor cheio de potencial, com uma narrativa estruturada, coerente, pensada e emocionante. Se por um lado o fantástico não é um género apreciado, por outro vemos agora um explodir no interesse perante este Quando o Sol Brilha. 
O Rui que me perdoe, mas acho que é necessário referir que, na minha opinião, só quem já sofreu uma grande perda consegue olhar para a morte de frente e abordá-la como ele o fez neste livro. E ele perdeu, o seu tão amado irmão há já algum tempo. E isso nota-se nas pequenas coisas, naqueles momentos em que é tão difícil preencher os vazios. 
Começamos por conhecer uma vila em tempos idos, uma família que vive dentro dos parâmetros ditos normais em que o marido é operário, a mulher cuida da casa e do jardim, e os filhotes andam na escola. O avô perdeu-se, perdeu-se para um tempo e espaço onde encontrou o seu refúgio após a perda da sua querida amada. Respira, mas são os seus cavalos que lhe despertam ânimo, cavalos esses que mais ninguém os consegue ver, só imaginar. Felismino, o filho, o operário, vai-nos relatando o presente e o passado como se polaroids nos fossem sendo mostradas com uma nostalgia saudosista. A linguagem puxa à tradicional do interior, aos diminutivos (coisa que estranhei, confesso, demasiado tempo a viver na cidade), às paisagens corriqueiras de um tempo em que ainda nem a electricidade tinha chegado às casas.
E depois vem a perda, o vazio, aquele sentimento de amputação em que sabemos que nunca mais seremos os mesmos depois daquele momento. Felismino não é excepção. Entre a bebida e a fuga da realidade, sob os braços de uma mulher, é na reflexão e no sentido de sobrevivência e amor que acaba por renascer. A acção tem um bom ritmo, a eloquência é algo que está inerente na escrita de Rui Conceição Silva e os personagens estão bem explorados e caracterizados. Nem todos iremos concordar com as opções do protagonista, eu certamente me revolvi em algumas fases, mas penso que a compreensão será transversal. Gostei.»

quinta-feira, 16 de abril de 2015

"Quando o Sol brilha": opinião do Blogue "As Leituras do Corvo"



«Edmundo é feliz no seu pequeno mundo. Na aldeia, onde todos se conhecem e conhecem as desventuras dos que os rodeiam, todos falam de Jardins, do velho que vê cavalos num horizonte onde eles não existem, o mesmo velho que olha para Edmundo e o trata por vizinho por já não o reconhecer como filho. Mas, apesar de tudo, há uma estranha tranquilidade na sua vida, no quotidiano do trabalho, do regresso a casa, das horas passadas a ler à luz de um Petromax, do amor do pai, da mulher, da irmã e dos filhos. Até que, um dia, um acidente muda tudo e as perdas começam a suceder-se. Perdido o controlo da sua vida, Edmundo terá de se reencontrar. E de descobrir que, apesar da dor, da perda e dos erros, a vida continua sempre...  
Intimista, quase introspectivo, este é um livro que, narrado pela voz do protagonista, mas sem deixar de abrir portas para a vida das outras personagens, vive tanto de emoções como de acontecimentos e, por isso, olha para a vida de uma maneira diferente. A história é, acima de tudo, a de Edmundo, mas não só. A família, os amigos, os vizinhos são igualmente importantes. E é por isso que a história parte dos pensamentos de Edmundo mas se estende ao pequeno grande mundo da aldeia e das suas gentes, reflectindo tanto a história das pessoas como a dos lugares.
Tendo isto em conta, um dos primeiros elementos a sobressair é precisamente a caracterização da vida na aldeia, naquela como em muitas outras do seu tempo. O meio pequeno onde todos se conhecem e todos se ajudam, mas onde também quase todos falam mal uns dos outros. A estranha solidariedade de olhar com benevolência os caídos, mas sem silenciar as palavras duras no momento em que eles se afastam. A censura em pleno contraste com a aceitação, a convivência amigável contra as guerras que nascem por nada. Um mundo tão pequeno, em suma, mas tão complexo que tudo o que nele existe é importante.
Mas, se o meio é importante, mais o são as pessoas. E é de Edmundo e dos seus, e do que nasce dos sentimentos que neles vivem, que surge a verdadeira alma desta história. Uma história traçada em tristeza, em nostalgia, em dor. Dor ante a perda, tristeza ante o que não volta, nostalgia ao recordar o passado no bem e no mal. Sentimentos que se definem na história nem sempre perfeita das personagens, mas que têm muito de comum com a vida de quem os lê.
O que me leva a ainda um outro ponto forte - e talvez o mais marcante - nesta leitura: a escrita. Há uma estranha harmonia no tom de quase confissão com que o autor dá voz ao seu protagonista. Um toque de poesia, definido por um conjunto de frases marcantes, que contrasta com a aparente simplicidade das vidas e do cenário, e que, assim, aproxima o leitor das personagens, dando aos mais difíceis sentimentos as palavras certas para o transmitir. E de tudo isto, emerge uma estranha beleza, triste como a perda, mas bela como a vida. E cativante. Muitíssimo cativante.
No fim, ficam acima de tudo as emoções e a memória. A memória de uma história que é tão simples e, apesar disso, tão intensa e marcante. A história de uma vida que podia ter sido a de qualquer um e que por isso cativa, surpreende e comove em todos os momentos certos. E que fica na memória, pois claro.»

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mãe que reza

Mãe. Nada se compara a ela neste mundo. 
Quando eu e o Tózé éramos pequeninos, aguardávamos ansiosos pela chegada da nossa Mãe a casa. Quando chegava, dávamos-lhe um pequeno abraço e íamos logo bisbilhotar a mala dela. Sabíamos que ela nos trazia sempre alguma coisa. Um chocolate, umas bolachas, uma guloseima qualquer. Mas, sobretudo, sabíamos que a nossa Mãe, antes de vir para casa, passava sempre na papelaria do Sr. Manuel Rosa, para nos trazer um livro de banda desenhada. Às vezes, até trazia mais do que um. E era uma festa! O momento mais bonito do dia. Pois, eu e o meu irmão sabíamos que, na mala da nossa mãe, vinham sempre coisas boas para nós. 
No dia seguinte, líamos o livro umas vinte vezes. Como um mapa do tesouro, um pequeno pedaço de alegria. Em cada leitura, parecia ter sempre coisas novas. À tarde, chegava o Zé Batista, o irmão que adotámos, e ficávamos horas a ler livros e a bebericar café com leite, que saboreávamos com montanhas de bolachas Maria com manteiga. Não sabíamos nada dos mundos lá longe. Nem sequer precisávamos deles. Pois tínhamos o nosso mundo, o lugar onde só havia risos e uma singela forma de felicidade. E a minha Mãe era feliz por nos ver felizes.
Hoje, a minha Mãe chora um filho que partiu. Um filho para quem trazia pequenas alegrias dentro da sua mala. Um filho de que tanto se orgulhava. Chora às escondidas, porque, como sempre faz uma mãe, procura o amor de um filho em recordações bonitas. Em memórias de quando ele era pequenino. O seu primeiro dentinho. Os primeiros passos. O dia em que ele foi para a escola. E reza todos os dias para que a sua alma esteja em paz. Pois, nem na morte, uma mãe deixa de cuidar do seu filho. Cuidará sempre dele. Terá sempre uma fotografia dele junto à Nossa Senhora. Nunca deixará apagar-se a luz da lamparina e nunca se esquecerá de rezar as orações. 
E falará com ele, sem que ninguém o saiba. Pois, até ao fim dos tempos, será sempre, e sobretudo, Mãe.


domingo, 23 de novembro de 2014

Pai que chora

O meu Pai vai todos os dias até junto do túmulo do meu irmão TóZé. Esteja o tempo que estiver, mesmo enfrentando o temporal, faz questão de acender uma vela, que deixa num pequeno dispositivo em que a vela se mantém acesa.
Sei que o meu Pai o faz com muito amor, como uma mensagem de enorme saudade pelo seu filho.     
Por vezes, acompanho-o, e ali ficamos os dois a chorar junto do Tózé. A falar com ele em silêncio.
A chuva, fria e injusta, quase não tem importância. Torna-se apenas um pormenor, uma voz quase silenciosa da natureza. E recordo a amizade que o meu irmão tinha pelos dias de chuva, pela suavidade com que os fios de água dançavam com o vento. 
Lembro-me dos dias em que eu e ele ficávamos à janela, vendo a chuva cair sobre a vila e sobre os campos. Éramos pequeninos e empoleirávamo-nos em duas cadeiras, e ficávamos ali, a ver os regos de água acastanhada que pareciam rios, descendo da Madre de Deus. Ainda não havia a estrada para a Escola Secundária, mas apenas um pequeno carreiro entre olivais. 
Eram dias felizes. E a chuva era nossa amiga. 
Hoje, que o TóZé partiu, escuto tristeza nela. Já não é a chuva que tanto amámos. É apenas uma companheira, que se junta a mim e ao meu Pai para chorarmos o amigo que partiu. 
Sei que o meu Pai, como um peregrino, irá sempre visitar o TóZé. Mesmo que o dia tenha cara feia e a chuva pareça um chicote, ele irá sempre. 
Porque, um pai que perde um filho, se fosse necessário, até desafiaria um vulcão, só para estar por momentos com o seu filho. A sós, com ele. 
Sim, o amor de um Pai é uma das maravilhas do mundo. 
Uma das poucas certezas da nossa vida.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A chuva segreda-me ternuras

A noite aproxima-se, Figueiró recebe a chuva triste. Os lugares da vila têm rostos do passado, talvez feixes de luz, talvez sombras doces. É aqui que vivo, no meio de todos os rostos da minha vida, os que ainda vivem e os que já partiram, segredando-me ternuras na chuva