terça-feira, 31 de julho de 2018

Uma bela opinião do blogue de referência "A Biblioteca da João"

 http://abibliotecadajoao.blogspot.com/2018/07/opiniao-rui-conceicao-silva-dei-o-teu.html

Aqui está um livro que me surpreendeu pela positiva! Confesso que não acho a sua capa muito apelativa, mas a sinopse interessou-me e, depois de ler opiniões positivas e de ter tido a oportunidade de conhecer o autor na Feira do Livro deste ano, não podia deixar de o ler. Ainda bem que o fiz! Numa narrativa cuidada, Rui Conceição Silva conta-nos parte da história de Figueiró dos Vinhos, no final do século XIX e início do século XX.
Bem escrito, com personagens bastante interessantes, embora eu não tenha a certeza se são reais ou baseadas em pessoas reais (o autor fala sobre José Malhoa e Manuel Henrique Pinto, dois pintores consagrados que descobriram a beleza daquele local e e acabaram por terminar a sua vida lá).
A história é narrada na primeira pessoa, por Joaquim, o professor da aldeia, desde que era jovem adulto até à sua velhice. Ao longo destes anos, vamos conhecendo a sua vida em simultâneo com a de várias pessoas da aldeia. Vamos acompanhar o seu amor impossível por Olinda, que também o ama, mas que já foi prometida a outro homem em troca da cobrança de uma dívida do pai dela. Fala-nos das paisagens, da vida no campo, dos sons e das cores (as cores que tanto encantaram José Malhoa) e das inúmeras caminhadas que Joaquim fez com os seus amigos pintores. Achei muito interessante como o autor incluiu na narrativa algumas invenções da época, como o telefone ou o automóvel.
A leitura deste livro é uma viagem calma e suave que me proporcionou horas de leitura muito agradáveis. Por curiosidade fui pesquisar sobre algumas obras de José Malhoa e da casa que acabou por construir e denominou de "O Casulo". Tudo existe e é deveras interessante. Este é um livro para desfrutar e conhecer um pouco do nosso interior que tanta riqueza tem para oferecer.

Uma bonita opinião do blogue de referência "As Horas... que me enchem de prazer"


Neste segundo livro para o projecto Ler os Nossos, no desafio "Um autor português recomendado por alguém", não posso deixar de agradecer à Sílvia A. Reis (O Dia da Liberdade / Boas Leituras - O Dia da Liberdade). Não fosse ela e, provavelmente, não iria chegar a esta leitura.  Quase toda a história decorre num ambiente rural, onde as existências se levam com diminutos percalços. Como é típico, a taberna é o centro de convívio e a população dedica-se a labores marcadamente manuais devido à sua parca instrução. O quotidiano não é de abundância, mas a fome não se faz sentir.  Edmundo surge como o mais reflexivo desta sua comunidade - concluiu a quarta classe, quem diria -, ainda que não ostracizado por tal. Escudando-se na sua natureza melancólica, está resignado a operário para subsistência sua e da família, e a leitor nas horas vagas, aquilo que realmente o compraz. Desde jovem encontra nos livros um refúgio para o seu espírito curioso e aventureiro que as condicionantes não libertaram. Talvez por essa necessidade de ver outros mundos, eu passava muitos fins de tarde sentado ao lado do meu pai a ler um dos livros que costumava trazer da Biblioteca Municipal da vila velha. 

"Apesar de ser um simples operário, eu gostava de ler livros e de viajar com eles pelo mundo fora. De escutar as personagens falando sozinhas ou umas com as outras, quase como um espreita ou um companheiro secreto escondido atrás de uma cortina invisível, ouvindo-as sem nada dizer. Às vezes, queria falar com elas, chorar ou rir com todas, entrar nos livros como um amigo ou um justiceiro implacável. Queria muito pertencer a todos os livros, figurar neles como parte da vitória ou da ruína. Quando lia, absorvia bocados de bom silêncio, interrompidos apenas quando a minha mulher me chamava para cear ou quando o meu pai me falava dos cavalos imaginários, dos filhos do vento."  (p. 29)

Constitui família com Evangelina na quinta dos pais, próxima da aldeia - a quinta do Jardins, a aldeia de Granja dos Pardais, a vila velha e a cidade nova: denota-se o contraste entre as ambiências sociais e económicas de um povoado profundamente ruralizado para o mundo urbano e industrializado, onde o progresso não dá tréguas.
Após a morte da mãe, o pai, Felismino Jardins, sofre pelo fim do seu grande amor e vive em alheamento. Ainda assim, é um ser pacífico que apenas se agita aquando da visita dos "seus" cavalos, uma doce memória do passado que agora o conforta.
A narrativa compreende um período de mudança, de momentos críticos para o protagonista. É ele quem, de viva voz, os conta em puro despojamento e, desde o início, pressente-se uma carga emocional pesada que a natureza enquadra, reflectindo os estados de espírito. No reverso da medalha encontrar-se-á, enfim, o perdão, o consolo, a resiliência, curiosamente sempre associados ao universo feminino. Quando a vida não o permite, procurar compreensão e concretização naqueles que nos estimam, pode ser a melhor via para não cair no desânimo derivado da perda.
A leitura sucedeu-se célere pela pronta empatia que senti pelas batalhas desta família no limiar do abismo. O seu final não me agradou por completo, no seio de tanta dor veio-me a incredulidade por se chegar a algo de aparência demasiado fácil. Ainda assim, na sua totalidade, é uma história inspiradora e de realidades palpáveis que não deixo de recomendar. Mais do que tantos livros de auto-ajuda que infestam os escaparates, acredito que sejam histórias como esta, ficcionais ou não, que modificam visões e ajudam à reflexão sobre o que somos e o que queremos ser.
Deixo o alerta: não leiam a sinopse presente na contracapa do livro. Felizmente não o fiz, ou teria a leitura definitivamente arruinada por tantos spoilers, por isso, para o início desta opinião, não deixei de procurar um texto diferente.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Uma bela opinião, num blogue literário de referência "As Leituras do Corvo"

http://asleiturasdocorvo.blogspot.com/2018/06/dei-o-teu-nome-as-estrelas-rui.html

Joaquim é um homem solitário numa terra onde domina a tranquilidade e onde as redes do progresso estão ainda a décadas de distância. Mas a tranquilidade de Figueiró dos Vinhos estende-lhe novas possibilidades com a chegada de um grupo de pintores com quem cria amizade. Começam assim os seus dias de glória - glória essa que aumenta ao escutar pela primeira vez o canto de uma voz encantadora. A dona da voz é Olinda e rapidamente lhe arrebata o coração. Mas Olinda está prometida a outro homem e aqueles são tempos em que a vontade de uma mulher não tem peso. Principalmente quando há dívidas e interesses a defender...  Com uma considerável componente descritiva e muito espaço para a introspecção e para os meandros dos conflitos e dilemas interiores, este é um livro de ritmo relativamente pausado, mas que, aliando uma escrita belíssima a uma história cujo poder se revela aos poucos, cativa desde muito cedo e nunca deixa de surpreender. Primeiro, pela beleza das palavras e pelo recuo a um passado tão amplamente caracterizado. E depois pela forma como amor, amizade, ligações familiares e o simples afecto que liga uma pessoa ao seu lugar no mundo fazem com que a história de toda uma vida possa fluir como de instantes se tratasse.
É uma história que vive tanto do interior - dos pensamentos, das decisões certas ou erradas, das emoções, das dúvidas e das percepções que se criam do mundo e daqueles que o povoam - como das acções exteriores. Tão importantes como as aventuras dos pintores, como a aproximação a Olinda e como os desenvolvimentos - felizes e amargos - desta história de amor, é o impacto que cada um destes elementos tem na vida interior do protagonista. Vida essa que é vastíssima, demorando-se em pensamentos e expressões de emoção moldadas ao ritmo da solidão. E há uma estranha beleza em tudo isto, pois, muitas vezes, o que se vive por dentro não transparece no exterior, pelo que, ao contar a história desta forma, o autor relembra as complexidades insuspeitas que, às vezes, se escondem nos labirintos da alma humana.
Não é uma leitura compulsiva. As longas descrições, a caracterização pormenorizada do ambiente e do contexto e as longas instrospecções do protagonista - introspecções que, por vezes, parecem traçar círculos completos entre um ponto e o seguinte da sua vida - exigem um certo tempo e concentração para que todos os pormenores sejam assimilados. Mas há na escrita uma tão cativante poesia que a leitura nunca se torna aborrecida. E mesmo quando as ideias se repetem - pois a vida de Joaquim parece levá-lo repetidamente ao encontro daquilo que mais o define - a história nunca se torna cansativa, pois há sempre um motivo para esses pensamentos e divagações.
No fim, fica a sensação de se ter viajado ao passado, caminhado com os mestres e assistido a uma história de amor que, não sendo fácil nem limpa, é precisamente por isso mais real. Cativante, surpreendente e magnificamente escrito, um romance que leva o seu tempo - mas que merece cada instante.