quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Bonita opinião no Instagram, da página b00ksloversbooks

https://www.instagram.com/p/DCnD_lSt7At/

Anabela Gomes escreveu:

«O livro apresenta uma história sensível e verdadeira de um Portugal rural em tempos de grandes dificuldades. A capacidade de nos transportar para uma vida simples, mas repleta de significados e emoções.

A narrativa das personagens torna toda a história profundamente humana e reflexiva.

É uma relação que transcende barreiras sociais, num mundo onde os pobres não eram mais do que instrumentos de trabalho e onde a infância era muitas vezes uma palavra vazia.

A ligação entre a professora e a menina humilde mostra o poder transformador do afeto e da empatia, que achei um história linda.

Além disso, o breve romance entre Estrela e Ricardo Falcão acrescenta uma passagem de beleza e de profunda tristeza, mostrando os encontros que, mesmo poucos, podem marcar uma vida inteira.

Se tivéssemos que recuar no tempo e viver como eles, muitos de nós sentiríamos o choque da simplicidade e da deficiência. A vida sem tecnologias, a dependência direta da terra para o sustento e os nossos hábitos trariam um contraste brutal com a modernidade.

Este livro sem dúvida foi um desafio para mim, a dureza da narrativa (difícil de digerir, violência...), o ritmo das reflexões das personagens podem não agradar a todos, e uma história muito concentrada no campo pode não ser do agrado de todos os leitores.

O autor Rui Conceição Silva quis passar para o leitor como era viver no campo e o falar rural, preservando a memória de um tempo em vias de esquecimento.

Não é um livro para quem procura acção, é um livro para ler com calma e alma. É um bom livro para os jovens de hoje lerem e refletir.

O fim... se pudesse era outro final... mas nem sempre é o que queremos.»

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Bonita opinião do escritor Joaquim Jorge Carvalho, no seu blogue "Muito Mar" e no facebook

https://muitomar.blogspot.com/2024/11/arvores-tombadas-de-rui-conceicao-silva.html

Joaquim Jorge Carvalho escreveu:

«Estou sempre a ler e, quando há, na secretária, vários títulos clamando a minha atenção, gosto de, tanto quanto possível, não me desviar dos livros já encetados. Às vezes, incumpro essa útil disciplina – por exemplo, quando deito os olhos aos primeiros versos de um livro de poesia ou à primeira página de um romance e me acontece o célebre enamoramento da literatura. 

Aconteceu-me com o romance "Árvores Tombadas", de Rui Conceição Silva, um autor da minha geração, que talvez não receba, como tantos, a atenção que a sua qualidade literária justificaria. 

Contada a várias vozes, a história fundamental do romance remete-nos para um mundo antigo, rural e marcadamente português, historicamente situado no Estado Novo, palco de uma vida geralmente dura (nomeadamente no que se refere ao povo mais humilde), com a omnipresença da pobreza, do desamparo, da fome e da repressão política e policial. Num lugar povoado de tipos populares, simples no pensar e no falar, mas profundamente carregados de humanidade, surge um elemento novo, cujo olhar sobre a terra servirá, aos leitores, de guia e de testemunho: na verdade, os olhos da jovem professora Estrela, que vem da “cidade grande” para aquele pedaço de “Portugal profundo”, serão daí em diante – em grande medida – os nossos olhos. E nossos também, naturalmente, os seus assombros, encantamentos, medos, choros ou prazeres.  

É muito difícil parar de ler uma história de que, logo às primeiras páginas, nos tornamos cúmplices, familiares, íntimos. A narração, embora não disfarce a dureza e a crueldade dos factos relatados (até no vernáculo-calão eminentemente coloquial que, de quando em vez, emerge das falas das personagens), traz consigo uma espécie de melancólica doçura, como se a leitura fosse concomitante às vidas ali convocadas -  mas, atenção, tudo isto muito longe da lágrima fácil ou sentimentalona. Há neste discurso narrativo, digamos assim, para além da construção pormenorizada de um microcosmos profundamente verosímil e, aqui e ali, brutal, a amável incorporação da ternura. 

Não por acaso, aconteceu-me sentir, no final da leitura, saindo da narrativa, um perfume familiar, reconhecível, grato: era, digo-o agora, o eco formoso de Júlio Dinis, cujas histórias desde sempre me encantaram. Pergunta: que segredo há nas histórias que nos prendem, fascinam, conquistam? 

[Durante anos, combatendo o preconceito, o menosprezo ou a indiferença da universidade perante Júlio Dinis, tentei perceber que poder encantatório era aquele emanando da sua escrita – e acabei, mais ou menos fatalmente, por dedicar um doutoramento ao estudo da sua obra, em particular aos seus romances e contos. Esse estudo culminou numa tese – mais tarde, publicada pela Ed. Caleidoscópio – intitulada "Acção, Cenas e Personagens na Narrativa Dinisiana: As Pupilas do Senhor Escritor".]

Em "Árvores Tombadas", há esse poder, sim. É o tal perfume (que, à falta de melhor palavra, chamarei “dinisiano”), isto é, essa arte muito complicada de bem contar uma história. Lendo-a, parecer-nos-á talvez que, dada a fluência e leveza do discurso narrativo, não se tratará decerto de trabalho complexo por aí além; ora, a isto de tornar “fácil” o que é consabidamente “difícil”, meus amigos, chama-se talento. 

"Árvores Tombadas", de Rui Conceição Silva (Ed. Visgarolho, 2024) é um belíssimo romance, que agora celebro e recomendo.

Coimbra, 08 de Novembro de 2024.»